sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Quixote

Hoje a poesia, sempre latente em meus pensamentos não está aflorada. Tem dias que parecem feitos para não se encaixar. E por incrível que pareça esses não são os dias cinzentos sobre os quais falo sem pudor por diversíssimas vezes. Esses dias estranhos são dias medíocres.

Medíocre :
[Do lat. mediocre.]
Adj. 2 g.
1. V. mediano (3).
2. Sem relevo; comum, ordinário, vulgar, mediano, meão.

A mediocridade não tem explicação. É estática e dinâmica ao mesmo tempo. E em nenhum momento é produtiva. Também não é estagnação.

Penso que talvez esses originalmente não sejam dias medíocres, e sim os dias calmos. Aqueles em que a gente passa muito bem se estiver sentado de frente para o mar sabe?

O problema é quando o mar está ausente.

A agigantação cinza do concreto não se compara à magnitude do Gigante Azul, o verdadeiro, que é de calar qualquer um. E caraminholas leves surgem, já que o vaivém das ondas não está audível.

Esses são dias bons para arrumar o guarda-roupa da alma.

Hoje nada faz sentido, a não ser a certeza de tudo aquilo que venho sentindo.

Devotos do Amor ainda existem. Obrigado por ajudar a manter minha fé.

E mesmo que os dragões sejam apenas simples moinhos de vento, sigo em investida inocentemente desmedida. Eu quero chegar mais longe. Eu quero o mundo, a faca e o queijo.

Por hora, um afago me cai bem.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Anos Luz.

Quando criança, além de marceneiro-escritor,doutor-rockstar e herói-delegado
eu queria ser astronauta.
Gostava de viajar pelo mundo, e principalmente para fora dele.
A ideia de ir à lua não era um pensamento fixo, já que um amigo tinha estado lá e resolvera voltar.
Sem mais, nem menos.

O que eu queria era saber se o mundo era mesmo tão pequeno visto lá de cima, porque assim sendo, eu talvez não fosse tão tampinha.

Li sobre Gagarin e Aldrin, e me imaginava fora dos limites da atmosfera (talvez lá não me faltasse o ar).
Conforme fui crescendo, abandonei tal ideia em detrimento de outras vontades que foram surgindo e partindo.
Assim como as pessoas que mais amei.

Bisavó, bisavô, pai, tios. Menina, pra sempre em meu coração, a maior amiga-canina que eu jamais vou ter.

Aprendi a andar de patins e a falar inglês, plantar milho, tocar guitarra, escrever poesia e colher milho.

Também fui aprendendo que nem tudo é como a gente quer, e que temos sim várias limitações.

E, tendo consciência dessas limitações, aprendi a ignorá-las. Os sonhos são muito maiores. E mais saborosos.
Dos castelos que moldei em minha infância, a princesa e o dragão não são peças de tabuleiro. E os amigos estão longe de serem coadjuvantes.

Agora estou numa nova empreitada.
Alguns duvidam, dizem que estou velho demais pra essas coisas e que não vale a pena.


Vou construir um forte!

Não quero me defender de nada,
mas preciso de uma estrutura reforçada.
Pra isso vou juntar:
pedra, papel, tesoura e fita adesiva
nada de remendo, lá vai ser tudo novo
e as calçadas cobertas de alegria de esquina a esquina.
Vou fazer um castelo de tangram e um canil de 10 alqueires!

Preciso de um pomar bem grande,
porque amigos por demais vou receber.
Pensei em chamar o local de Ilha de Páscoa, mas essa já existe.
E além do mais, nada por ali vai ser passageiro,

ainda que absolutamente tudo se renove o tempo inteiro.
como um sonho de criança.

"Nós não paramos de brincar porque envelhecemos, mas envelhecemos porque paramos de brincar"
(Oliver Wendell Holmes)

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Necros.

Inicialmente queimava.

Ou era assim que eu sentia.

Nesses primeiros dias eu gritei e agonizei. Desesperado.

Em vão.

Senti minha pele ficar flácida e junto com os cabelos pouco a pouco se desvencilhar daquilo que chamo corpo. Ainda queimava, e doía. E eu só conseguia pensar nas duas crianças brincando no jardim.

E todas as escolhas que fiz, que de uma maneira ou outra me trariam à miséria. Meus pés doem e a essa altura acho que os globos oculares não se sustentam sobre as órbitas porque a cada hora o mundo parece mais escuro. Não é como nas noites de insônia, em que eu contava uma história e conforme eles adormeciam apagava as luzes para que dormissem em paz.

Aquela tarde bonita, a brisa do campo tocando levemente minha face. Julia estava deslumbrante. E eu lamuriando porque o sinal do 3G estava fora do ar e “precisava” responder alguns e-mails. Fui rude quando ela me ofereceu a geléia que preparara com tanto carinho na noite anterior.

O tempo todo no escritório, em meio a papéis e gente que eu julgava incompetente. Ocupado demais para ir às reuniões e festas na escola das crianças. Da minha sala imponente não vi Damien ser campeão de natação, ou se formar na faculdade. Na verdade só me dei conta de quanto tempo tinha perdido quando depois daquele maldito acidente vi meu filho desfigurado no necrotério.

Julie se foi por tristeza, cerca de dois anos depois. Os pais são feitos para morrer antes dos filhos. Clara juntamente com o marido Jonathan me dariam um neto.

Eu ainda era ocupado demais e a única pergunta que fiz foi sobre como eles criariam um filho com o salário de professor de Jonathan e o trabalho de meio período de Clara. Ela disse que me amava muito. E me deu as costas. Faz quatro anos.

A velhice não chegou para mim. Estou perto dos sessenta anos, e com pulso firme controlo tudo o que com muita dignidade levei a vida para construir. Antes de sentir essa angústia, eu cheguei a me questionar se tudo o que fiz tinha realmente valido a pena.

Agora, deitado e estático. Sendo lentamente digerido por vermes, vejo que talvez não tenha dado o meu melhor naquilo que só depois perceberia ser o que tinha de mais importante. Não me vejo em posição de lamentar ou pedir que meu fim fosse diferente. Se acaso me fosse concedido um último desejo, a última fagulha que não de arrependimento que minha vida emanaria seria talvez para aquele que cavou minha cova. Para que a cavasse um pouco mais rasa, pois assim ainda seria capaz de sentir as gotículas de chuva que enquanto pude ver, me recusei a enxergar.

Eu ia e vinha...

Eu ia e vinha...
... e era lá que eu me perdia, no espaço entre teus lábios.

Um travessão e uma exclamação.