quinta-feira, 25 de março de 2010

Somnium

Certa vez estava, eu atrasado no ponto quando um Velho se aproximou.
- Preciso lhe contar algo. Disse o velho.
Nunca antes o tinha visto. Assustado, relutei a princípio. Mas por respeito à sua aparência idosa, porém lúcida e saudável acabei cedendo e este começou sua prosa:

“Um rapaz chamado Sonho, nascido num pequeno planeta em qualquer lugar do Universo, estava insatisfeito e pensativo. Por pensar demais, passou a ter idéias incompreensíveis a seus conterrâneos. Todos do planeta quiseram matar o Sonho. Sendo este obrigado a fugir, vivendo desde então como um errante pelo Universo.
Em sua rota sem destino, deparou-se com uma intensa luz. Apaixonou-se ao primeiro vislumbrar e nem sequer quis saber o nome de sua amada. Logo, a moça o levou para conhecer seu planeta. Era incrível e aconchegante. Tanto que ele resolveu ficar por uns tempos.
Quando se está longe a saudade vem. Diferente não ocorreu com o jovem. Sentia falta do local onde estavam suas raízes, e sua amada ansiava por conhecer a terra natal do misterioso viajante.
Ele porém, receava em voltar à seu planeta, pois no fundo sabia que nada havia mudado. Nada. Estava decidido e passou noites inteiras elaborando e trabalhando em seu mais ambicioso projeto: construir um Novo Planeta, com um passado admirável, sem fome ou cicatrizes de guerras e doenças. Um lugar que pudesse chamar de casa, onde se pode ouvir o alegre som de crianças brincando e cachorros latindo.
Ao cabo de pouco tempo e muito trabalho o projeto era realidade. Satisfeito, levou sua amada para conhecer seu grande e bonito planeta de plástico. Esquecera porém, que sua amada por possuir grande luminosidade, abundava também em calor, e poucos minutos após chegarem ao belo planeta, o mesmo estava em ruínas. Sonho estava decepcionado.
-Sinto muito por seu planeta.
-A culpa foi minha.
Passaram dias viajando em silêncio até que o rapaz confessou à sua amada todos os seus medos e incertezas além da verdade sobre o planeta de plástico. Decidiram ir ao planeta onde nascera Sonho.
Quando chegaram, confirmaram-se os temores e a situação era mesmo caótica: um planeta cinzento e triste, com muita pressa de chegar a lugar nenhum, bombas explodiam em alguns locais, e em outros as pessoas choravam depois de tirarem suas máscaras coloridas com sorrisos pintados. Males se escondiam, seja na grande quantidade de lixo social gerada ou nos comuns engarrafamentos gigantescos.
Afetada pelo clima inconstante do planeta, sua amada sentiu-se fraca.
-Mesmo após todo esse tempo, você nunca quis saber meu nome. Por quê?
-Porque independente de como se chame, eu sei que você é aquilo que me completa.
-Meu nome é Coragem.
Houve silêncio, em meio aos arranha-céus e barulho da grande cidade, Sonho e Coragem se abraçaram chorando a mais pura lágrima já vertida sobre a Terra. Quando Sonho e Coragem desfalecem, nasce Esperança, sendo esta capaz de motivar a criação de um Novo Mundo a partir do existente.
Um Mundo onde o amor é capaz de se espalhar com a mesma força da violência no atual.”

Hipnotizado pela história do Velho, acabei fechando os olhos, sem notar que o mesmo havia ido embora deixando um de seus documentos caído. Curiosamente, numa parte estava escrito: PORQUE SEM ELE NÃO SE PODE VIVER.
Olhei o relógio. Perdera o ônibus.

quarta-feira, 24 de março de 2010

A grande idéia

Saí de casa decidido naquela manhã de outono, o objetivo estava fixo em minha mente: quebrar o gelo e acabar com o tal orgulho, que eu jurava ser o que me mantinha de pé.
O plano? Coisa simples. Voltar ao nosso local secreto, o lugar onde nos beijamos pela primeira vez. E onde dissemos e prometemos um ao outro que ainda que...
Peguei meu saco de dormir e prontamente me coloquei em movimento.
No canto da praça, com uma foto em uma das mãos, no intervalo entre uma e outra carta que eu relia, pedia aos transeuntes:
-Ei! Se você vir essa garota, pode dizer a ela onde estou?
Algumas pessoas olhavam intrigadas. Outras se afastavam de mim, como se fosse um doente ou algo do tipo. Tantas outras tentaram me dar dinheiro, não entendiam que eu não estava falido e sim com o coração despedaçado. Eu sei que a minha idéia não faz nenhum sentido, mas como eu poderia prosseguir, se ainda a amo? E além do mais, é óbvio que se um dia ela acordasse e percebesse que sente a minha falta, o coração dela ia se perguntar por onde eu ando, eu estaria lá. Esperando no canto da praça.
Então o que fiz foi esperar.

Um dia um policial veio me dizer que eu não podia ficar aqui. Tenho consciência de que talvez seja ilegal, mas tenho que marcar território, e estou decidido a esperar, nem que seja por um dia, um mês, ou um ano. Sei que se ela mudasse de idéia, este seria o primeiro lugar a que ela viria, ainda que estivesse chovendo, ou até mesmo nevando.

Então os anos começaram a passar, e ela não veio. As pessoas começaram a questionar sarcasticamente a minha sanidade mental, ouvia coisas do tipo:
-Olha, não é o cara que está esperando pela "tal garota"?
-Poisé, não tem nenhum furo em seus sapatos, mas me parece que há um grande buraco em seu mundo.
Riam-se.

Foi quando decidi me mudar, e desde então moro aqui, sozinho. Na lua. Dentro do meu saco de dormir.

Grifando Palavras

Fui iniciado ao passatempo de juntar letras ainda cedo, com cerca de 4 anos conseguia ler algumas frases. Como não tinha idade para ir à pré-escola (que não sei como se chama hoje em dia) ficava em casa, brincando de adivinhar as palavras com minha mãe. Me interessei e comecei a ler de fato aos seis ou sete anos, quando meu pai começou a me dar várias revistas em quadrinhos, mangás e livros infantis. Ou nem tanto.
Desde sempre fui orientado a grifar as palavras que não conhecia, para uma posterior busca no majestoso “Aurélião”. Fato é, que tal atitude se tornou dispensável com o passar dos anos. Não deixei de grifar palavras, mas a consulta deixou de ser necessária, pois a própria vida me deu o significado de várias delas.
Dor. Saudade. Sofrimento. Alegria. Festa. Salário. Final de semana. Estudar...
São algumas das palavras, que parecem simples, mas que tem pouca significação e fazem quase nenhum sentido a uma criança de seis anos.

Penso que naquele tempo eu talvez fosse mais íntimo das palavras.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Pensamento Desconexo

Quando tudo fica confuso eu esqueço de me perguntar quem sou. E saio pelas ruas, a passos curtos, sem destino. Despreocupado. Desesperado. Vejo em cada esquina um simpático não-retrato teu, como que se tua imagem fora tatuada em minha retina. Delírio.

quinta-feira, 18 de março de 2010

O Buraco

Inicialmente as pessoas deram pouca importância ao buraco. Um ou outro jovem casal apontava-o rindo, mas logo em seguida distraía-se com a corneta do sorveteiro ou uma briga entre cachorros.

Após as crianças começarem a desaparecer, foi que se começou a especular sobre a origem do buraco, em que circunstâncias surgira e o porque de ficar ali suspenso, imóvel no centro da praça, ao lado da santa.

Aos poucos a monocromia do buraco foi se transformando e dando lugar a cores ora intensas e vibrantes como a aurora ora sutis, porém pesadas como o céu de outono. Muito se comentava, mas era durante a noite que acontecia o grande espetáculo: luzes estroboscópicas partiam em direção ao céu, e melodias habilidosamente harmoniosas ecoavam ao vento, buscando os ouvidos da população do vilarejo, criando um ambiente etéreo. Multidões se reuniam para presenciar extasiadas o momento paralisante e encantador.

- Obra do demônio! É o fim dos tempos! Diziam algumas idosas beatas, indignadas com o comportamento de seus conterrâneos.

O buraco se tornou alvo de diversos estudos, o que resultou no surgimento de várias teorias a respeito de sua origem, e do objetivo de sua existência. Alguns diziam que o buraco viera da abóbada celeste, com ordem direta do Arcanjo Miguel, com a missão de unir os povos do planeta, neste início de milênio. Para outros se tratava de um artefato alienígena, instalado para mapear e modificar o DNA humano, criando uma raça de Superseres, consequentemente dominando o planeta.

A variedade de opiniões sobre o buraco alavancava discussões calorosas tanto entre populares, como entre especialistas. Coisas estranhas aconteciam. Dizem que, certa vez, foram ouvidos gritos seguidos de risos. Lembro-me de ter presenciado o dia em que uma revoada de abutres saiu de dentro do buraco, em direção ao céu, quando, ao atingir a estratosfera literalmente explodiram, causando uma chuva de sangue e penas negras. O sinistro espetáculo recebeu atenção da mídia regional. Movidas pela curiosidade, as pessoas passaram a promover excursões e peregrinações ao buraco. Alguns odiavam-no, outros temiam-no. Muitos o exaltavam, sobretudo nas épocas de chuva de níquel.

O vilarejo cresceu, se tornando uma metrópole mundialmente conhecida, destino certo nos pacotes de viagem. Com o tempo, não mais se falou no desaparecimento das crianças.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Guardanapo velho, em cima de um piano empoeirado.














Nossa Música
despertou
a letargia
do nada.

Viajou
o pensar,
tornou
o ontem
sinônimo
do hoje
na realidade
do sonhar.

Acordes
que bailam
lembranças
no ritmo
acelerado
do pulsar.

Saudades.

sábado, 13 de março de 2010

Untitled

She's walking down the street
there's nothing more to say
everything goes like a flash
there's pain in her eyes

And what about those flowers?
And what about that unexplainable love?
she's going to a hole

Someday you'll understand
c'us u're still young n will be fine
Sometimes you'll feel the pain
but it's just a warning
that you're still alive

Texto antigo, que estava lá no meu iPod.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Fragmento Reticente nº I

Espera no corredor frio. Mais um pouco de café, para se manter aquecido e suportar. Ou fingir. São onze dias, que mais lhe parecem a eternidade. Pensa nos papéis em cima da mesa, cartas nunca escritas. O mundo tornara-se grande demais para que pudesse ser notado. Busca forças, sabendo que não pode encontrar. O único momento em que se sente vivo, em meio ao caos que se instalou em sua mente comprometendo-lhe a sanidade, é o momento em que pode visualizar o Anjo.

E lá ele está. Imóvel. Respiração leve. Os olhos fechados,inspiram no observador uma sensação momentânea de paz e tranqüilidade. Somente momentânea, a sensação.

O Anjo sofre e Ele não sabe como agir, tem vontade de fugir, pra longe, mas não poderia abandoná-lo. Ele vê que os medicamentos poupam o Anjo de sentir dor e sente em não poder transmiti-la, a dor, para o seu próprio corpo. Pensa na injustiça, na intolerância. É o maior teste que ele já enfrentou em sua vida...

(Fragmento nº I)

Eu ia e vinha...

Eu ia e vinha...
... e era lá que eu me perdia, no espaço entre teus lábios.

Um travessão e uma exclamação.