sexta-feira, 16 de abril de 2010

Insanidade


Suas mãos gentilmente tocaram minha carne nua. Eu pude sentir o cheiro fétido de álcool em sua respiração. Eu pulei nas suas costas, desatenta ao que estava por vir, conforme você me carregava pelo corredor, eu ria e te pedia pra correr mais, por brincadeira, segurando firme em seus ombros, e você me apertava as pernas, para não cair.

Quando você me deitou na cama e segurou meus pulsos, eu te olhei aterrorizada, o mesmo terror que vi em teus olhos.

Tentei de chutar para longe de mim.

O cheiro de sua respiração alcoolizada entrou por minhas narinas, preenchendo-me os pulmões. Você me deixou sufocada, subindo em cima de mim. Eu olhava à minha volta, em pânico e rapidamente disse: “A Anna está chorando”, você se distraiu, afrouxando a força que fazia para me segurar pelos pulsos. Eu te chutei deixando-o desequilibrado, em seguida tentei correr para fora do quarto, mas a porta estava trancada. Me escondi atrás da cortina, que você violentamente arrancou das paredes. Me olhou de cima a baixo, enquanto tirava o cinto. Eu chorei e implorei novamente, arrastando-me para o canto.

Você me pegou pelos cabelos e me jogou de volta para cima da cama.

Eu te deixei uma lágrima, com a esperança de que você pudesse parar.

Mas Deus não me mostrou misericórdia naquele fim de tarde de outono...

Você segurou meu pescoço com uma de suas mãos, enquanto a outra arrancava toda a roupa que cobria meu corpo, rebaixado a lixo. Eu perguntei “O que você está fazendo? Não era pra você fazer isso comigo!”. Com os olhos aterrorizadores, apenas deu um riso abafado e continuou me despindo.

Eu chorava continuamente, quando você me espremeu o pescoço, cortando completamente a minha respiração.

Eu pedi e pedi à Deus, mas ele não veio.

Eu me lembro da dor aguda que sentia, enquanto você me penetrava...

Então fui lentamente perdendo a consciência.

Nunca falo sobre aquele dia pavoroso.

Eu tentei, mas nada aconteceu...

Acho que você conseguiu aquilo que desejava.

E não! Ninguém suspeitaria da pequena criança inocente que eu me tornei, de novo.

E eles nunca irão.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Mosaico

Espera no corredor frio. Mais um pouco de café, para se manter aquecido e suportar. Ou fingir. São onze dias, que mais lhe parecem a eternidade. Pensa nos papéis em cima da mesa, cartas nunca escritas. O mundo tornara-se grande demais para que pudesse ser notado. Busca forças, sabendo que não pode encontrar. O único momento em que se sente vivo, em meio ao caos que se instalou em sua mente comprometendo-lhe a sanidade, é o momento em que pode visualizar o Anjo.

E lá ele está. Imóvel. Respiração leve. Os olhos fechados,inspiram no observador uma sensação momentânea de paz e tranqüilidade. Somente momentânea, a sensação.

O Anjo sofre e Ele não sabe como agir, tem vontade de fugir, pra longe, mas não poderia abandoná-lo. Ele vê que os medicamentos poupam o Anjo de sentir dor e sente em não poder transmiti-la, a dor, para o seu próprio corpo. Pensa na injustiça, na intolerância. É o maior teste que ele já enfrentou em sua vida...

Uma cadeira ao canto do corredor serve-lhe de descanso confortável nas noites gélidas e insones. Pensa que talvez sua permanência naquele ambiente mórbido, o esteja tornando frio. Improvável, quando põe a mão sobre o peito sente que bate, terno e caloroso, um coração. O nível de exaustão a que seu corpo chegou, faz com que um simples recostar de cabeça o leve a adormecer. No intermédio de seu estado de consciência, o som dos passos no corredor funde-se com as imagens oníricas geradas por sua mente. O Anjo está sempre presente em seus sonhos. Sorrindo, pulam poças d’água. Ele reconhece o próprio reflexo numa delas, completamente diferente da face desgastada pelos acontecimentos recentes.

Sabe que não pode agüentar firme por muito tempo, o equilíbrio está prestes a ser abalado.

Espera.

Ele é um predestinado a superar. Ainda que por um instante, tem a sensação de que vive algo semelhante à uma promessa feita com os dedos cruzados: algo que está para acontecer e nunca acontece, um momento que está para chegar, mas nunca chega.

De mãos dadas com o Anjo, ouve uma melodia, que os conduz a um campo onde milhares de crianças correm, livres, pouco depois começam a voar, como borboletas. Toca uma flor que está entremeada nos cabelos do Anjo, revoltos pelo vento. Recebe um sorriso como resposta.

-Hey você! Acorde. É chegado o momento.

As imagens se desfazem...

Ele sabe que não tem volta. Mas ainda tem muito a perder.

California- Copeland

http://www.youtube.com/watch?v=obJNiSbj3m0

sábado, 3 de abril de 2010

Contradição.

Eu não acredito nas palavras, Acredito nos fatos,nas coisas e nas respostas. E então o que é o perdão se não um produto sem justificativa pelo uso?
E isso tudo é só um símbolo de que o passado não importa mais
E por isso eu não devia calar o meu pranto, essa lâmina continua afiada,e era eu que ainda não tinha observado tentando superar o mau gosto do meu sangue.

E as lágrimas assim vão sendo confiscadas...

Tudo através do produto, que continuam estagnadas nas pontas dos meus dedos e as minhas mãos não são capazes de superar o medo e não conseguem ver que a vida continua,

Sem esquecer, sem relevar, sem perdoar.


quinta-feira, 1 de abril de 2010

Poema Sem Estética

As flores se rendendo a estação

bailam belas cores vestidas de luz

A Flor, inócua em seu botão

com um discreto sorriso, à loucura conduz

As flores encantam e recebem canto

Mas com o tempo se tornam triviais

A Flor, inconstante e enigmática é tanto

Que para não notá-la tem que estar cego demais:

As flores são exuberantes

A Flor é bela

As flores são voluptuosas

A flor é sutil

As flores terminado seu ciclo, secam e morrem

e não há florista que reclame sua custódia

A Flor causa ordem e desordem

Porém,

Vive para sempre, num campo do jardim da alma

Chamado memória.

Influência

Eu a conheci pela internet. E nossos mundos não são muito diferentes, estudávamos no mesmo colégio, provavelmente nos esbarramos pelos corredores algumas vezes. Depois ficamos amigos, e eu descobri que temos muito mais em comum do que eu imaginava, e apesar de pessoalmente nós termos conversado por poucos minutos, a presença dela é trirreal no meu dia-a-dia, e a admiração que tenho pela Andressa é ENORME. Eu gosto muito da maneira visceral como ela se expressa. Por isso, pedi pra ela escrever um texto ao seu estilo, que eu realmente pago pau.

Le Fabuleux Destin de Moi

“Não é o perfeito, mas o imperfeito, que precisa de amor.”

Oscar Wilde.

Ela gostava de observar de longe. Bem de longe, era como se ela fosse invisível... (Talvez outrem a fizera translúcida, apenas um semblante insosso no meio da multidão muda) E ela não era invisível realmente? Quiçá fosse, se não ela já estava muito perto disso. Observava por trás do livro que lia, no fundo da música que ouvia (escondida atrás da última nota perdida pelo ar), entre os rostos desconhecidos, por trás das lentes dos óculos... (Que pareciam portar alguma mágica, seus olhos brilhavam e enxergavam além) Talvez ela os usasse de tanto esforçar os olhinhos escuros para ver o que estava distante.

Ela gostava de roubar lembranças. Pequenas pedras em seu caminho, rançosas e sujas – e com um sopro, tirava suas imperfeições, pequenos grãos de areia e folhas – guardando a pedra no bolso. Em casa, guardaria em alguma gaveta, e quando abrisse, lembraria daquele lugar, momento, daquela imagem, recordação e textura que construíam uma espécie de imaginário particular, onde tudo era criado apenas por ela. Ás vezes usava essas mesmas pedras para fazer ricochetes na água. Era a Madrinha dos Abandonados; ela era a única que bem entendia aquela criança que brincava sozinha no balanço do parque, dando impulso com as próprias pernas. Ela ajudava os desconhecidos também, ás vezes ajudava uma dessas crianças a se balançar. Talvez ajudasse por medo de cair no esquecimento – ser lembrada como quem ajudou quem um dia já esteve só.

Ela gostava de imaginar situações. Tinha um ar alheado de tudo e de todos. Mal tinha noção de onde pisava. Um dia encontrou alguém e sentiu que eram parecidos, ela e ele. O ar alheado pode ser por estar pensando em alguém... Prefere imaginar com um ausente do que criar laços com os presentes. Ou talvez tudo faça para emendar a baralhada da vida dos outros. E a baralhada da vida dela, quem emenda? Ninguém. Talvez ela gostasse daquela vida baralhada. Isso se chama realidade, mas não é isso que ela deseja. Ela deseja alguém para emendar a sua vida também. Sem ti, as emoções de hoje seriam apenas a pele já morta das emoções do outrora. Ele a conhece? Claro que conhece. Desde sempre, nos sonhos.

E quando alguém pergunta: “Como anda a sua vida?”, a resposta é sempre a mesma. Mecânica, é como ela anda. O tempo passa, seu coração vai ficar doente e quebradiço, como os ossos do homem de vidro. Vá em frente, raios.
Um dia cor-de-laranja, para alguém segurar sua mão e sair para ver o sol. Ou a lua. É tudo o que ela quer.

[ Andressa M. ]

http://www.youtube.com/watch?v=dC5tRl2el2Q

Nota: Baseado em Le Fabuleux Destin d’Amélie Poulain. E em mim também.




Eu ia e vinha...

Eu ia e vinha...
... e era lá que eu me perdia, no espaço entre teus lábios.

Um travessão e uma exclamação.